cassino com giros gratis-'Reduzir jornada de trabalho é medida pró-famílias', diz historiador português Rui Tavares
cassino com giros gratis
O intelectual e político, que esteve no Brasilcassino com giros gratisdezembro para lançar o livro 'Agora, agora e mais agora', diz que percentual de trabalhadores com problemas para conciliar o trabalho com a vida familiar despencou entre empresas que adotaram jornada 4x3cassino com giros gratisPortugal.cassino com giros gratis de :Temos os melhores relatórios de previsão, você está convidado a participar
Historiador e deputado da Assembleia da República de Portugal, Rui Tavares é um pensador e político que concilia posições que muitas vezes são vistas como opostas.
Assim, é um anarquista que defende a presença do Estado, um intelectual que não renuncia à ação política e mantém um discurso de alegria e otimismo no meio de um cenário de crise que aponta como diferente das outras que a humanidade já enfrentou.
Ele é formadocassino com giros gratisHistória pela Universidade Nova de Lisboa, mestre pelo Instituto de Ciência Sociais da Universidade de Lisboa e doutor pela Escola de Altos Estudoscassino com giros gratisCiências Sociais de Paris. Atuou como professor e pesquisador nas universidades de Nova York, Brown, Massachusetts (nos EUA) e no Instituto Universitário Europeu de Florença (Itália).
Além de analisar o passado e o presente, o intelectual busca saídas. Admite uma crise na democracia, que tem alimentado a ascensão da direita radical no mundo, mas defende um aprofundamento democrático que inste a população a assumir junto ao poder público as responsabilidades pelas soluções.
Cobra para isso um discurso que aponte soluções imediatas para, por exemplo, combater as mudanças climáticas para tornar o ar mais respirável e reduzir a jornada de trabalho para melhorar a produtividade e dar mais tempo para o lazer e o convívio das pessoas.
No Parlamento Europeu, foi autor de um relatóriocassino com giros gratis2013 que apontou a escalada autoritária do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, um dos primeiros expoentes da nova safra da direita radical no Ocidente, e que está no poder desde 2010.
O ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro passou dois dias abrigado na embaixada do paíscassino com giros gratisBrasíliacassino com giros gratismarço de 2024, depois de ter seu passaporte apreendido por decisão judicial. Orban é próximo de outros presidentes de tendência autocrática, como Vladimir Putin, da Rússia, e Donald Trump, dos Estados Unidos.
Após passar cinco anos como deputado europeu, Tavares se elegeu duas vezes deputado da Assembleia da República de Portugal, o equivalente a deputado federal no Brasil, e vereadorcassino com giros gratisLisboa, capital do país, onde nasceucassino com giros gratis1972. É um dos fundadores do Partido Livre.
Mascassino com giros gratisatuação não fica restrita à política formal e à academia. Escreveu uma peça de teatro (O arquiteto - sobre Minoru Yamasaki, cujo projeto mais conhecido era das Torres Gêmeas do World Trade Center,cassino com giros gratisNova York), além de artigos para jornais portugueses e brasileiros.
Foi autor de um programa televisivo de divulgação histórica para a RTP e do podcast Agora, agora e mais agora, produzido pelo jornal português Público, que inspirou o livro de mesmo nome, lançadocassino com giros gratis2024 pela Tinta-da-Chinacassino com giros gratisPortugal e no Brasil.
Em entrevista concedida à BBC News Brasil por videoconferência, ele aponta os riscos dos poderes ilimitados dos super ricos e critica quem considera mais viável criar o clima da Terracassino com giros gratisMarte a salvar o planeta.
Torce por resultados da COP-30, que será realizadacassino com giros gratisBelém, defende políticas públicas com menos burocracia e soluções práticas. E sugere uma esquerda que defenda a liberdade e consiga dialogar com os evangélicos, sem abrir mão dos valores dos chamados grupos identitários.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada por concisão e clareza.
BBC News Brasil - Como você mantém e defende um otimismo no mundo de hoje?
Rui Tavares - O sentimento é absolutamente central para a política, e sentimentos diferentes servem programas políticos diferentes. Não devemos tentar competir com a direita e muito menos com a extrema-direita na alavancagem da frustração, do medo, do egoísmo e do ódio.
Por muito que se reconheça que esses são sentimentos poderosos e que são um combustível político que tem uma grande quilometragem e pode levar um projeto político muito longe.
Muitos desses sentimentos que a direita usa trazem consigo a ideia de que no passado a gente estava melhor e, portanto, é uma ideia inerentemente conservadora. E, quando a esquerda tenta utilizar o mesmo tipo de sentimento nacassino com giros gratiscompetição com a direita, ela não se apercebe que está a gerar uma reação que é mais vantajosa para reacionários do que para progressistas.
BBC News Brasil - Mas é um sentimento real na política?
Tavares - Acabei de escrever uma crônica sobre Mário Soares, grande político português que faria 100 anos no dia 7 de dezembro. Eu o conheci um pouco. Estava numa reunião com mais três ou quatro pessoas e o Mário Soares entrou.
Era da última eleição que ele disputou e que sabia que teria um mau fim. Depois de ter sido reeleito presidente com 70% dos votos, disputou o cargo pela terceira vez. E, depois de ter havido mandatos de outros presidentes, teve só 14% e ficoucassino com giros gratisterceiro lugar.
E ele dizia para a gente "Sei que vocês estão preocupados que eu fique deprimido, mas não sei o que isso é. Nunca estive deprimido nenhum dia da minha vida".
É algo que ainda hoje desafia completamente a minha crença, porque ele nasceucassino com giros gratis1924. A República Portuguesa, a primeira República, acabou quando ele ainda não tinha dois anos. Ele viveu até os 50 anoscassino com giros gratisditadura. E ele tinha 16 anos e o nazifascismo estava conquistando o mundo.
E, curiosamente, o ataque a Pearl Harbor se deu exatamente no diacassino com giros gratisque ele fez 17 anos, que era no dia 7 de dezembro de 1941. E, claro, nem toda a gente pode pensar ter uma constituição psicológica como o Mário Soares, de ser imune à depressão. Isso não existe na maior parte de nós.
Mas eu acho que é a lição, numa carreira política imensa, que tem muitas coisas: que trouxe Portugal para a Europa, que ajudou a firmar a democracia e evitou uma guerra civilcassino com giros gratisPortugal.
Claro que tem muitas coisas muito importantes, mas a lição maior que tiro da carreira dele é que sem otimismo não há mobilização, sem mobilização não há vitórias, sem vitórias não há alegria. E a alegria tem um lugar na política. Acho que os maiores políticos, os mais geniais no campo progressista, entendem isso.
BBC News Brasil - O quadro atual lhe parece inspirador para estes sentimentos?
Tavares - A primeira coisa que a gente tem que explicar às pessoas é que as mudanças que a gente está a ver agora, não só na questão ambiental, mas na inteligência artificial, são mudanças novas, ou seja, alteram o próprio padrão da mudança.
O cérebro humano se adapta bem à mudança gradual, constante e até à mudança cíclica. Mas, depois, há o outro tipo de mudanças e nós fazemos pouco esforço, até nas ciências sociais, para entender a etiologia da mudança e as suas tipologias.
Qual é o problema? Temoscassino com giros gratisconjunção, no momento atual, várias mudanças de tipo disruptivo, irreversível, exponencial e temoscassino com giros gratissimultâneo.
A inteligência artificial é disruptiva, as alterações climáticas correm o risco de ser irreversíveis e as pandemias são exponenciais. E depois temos desafios que são de um caráter mais histórico, como a regressão democrática, que podem talvez ser cíclicas, mas que são ciclos longos, seculares.
Então, quando elas ocorrem numa geração, elas não estão na memória viva dessa geração, não são coisas a que estejamos habituados.
BBC News Brasil - E como agir diante delas?
Tavares - Temos que explicar às pessoas essas mudanças e temos que explicar de forma muito simples a solução para cada uma dessas mudanças.
Elas estão lá e a maior parte das pessoas sente que estão. Faltam protagonistas políticos que façam o que um Franklin Delano Roosevelt fez perante a crise bancária de 1933, naquele famoso discurso do só temos a temer o próprio medo. Ele falava de uma crise muito complexa e ninguém se lembra já hoje do que é que eu disse antes da frase famosa. E é lá que ele explicou a crise bancária.
Inclusive assumiu perante o povo que não conseguiria explicarcassino com giros gratistodos os detalhes porque era extraordinariamente complexa. Não era fácil de entender nem para os financeiros, muito menos para o cidadão comum. E ele disse o que iria fazer: fechar os bancos durante alguns dias, limpar os que ainda tinham esperança de ser salvos e fechar os outros. E depois ele explicou às pessoas que, quando os bancos reabrissem, ele iria precisar delas.
Porque só poderiam saber se o plano deu certo quando estivessem entrando nos bancos mais depósitos do que estão saindo saques. Explicou que era uma coisa que ele não poderia fazer sozinho e que precisaria contar com eles. E, para dar certo, ele precisaria que a população acreditasse naquilo que ele estava fazendo. É assumir a dificuldade, explicar as soluções, falar com as pessoas, como inteligentes e adultas que elas são, e trazer o cidadão para a parte da solução.
Isto pode dar resultado, porque as pessoas gostam de ser tratadas com respeito, como pessoas adultas que podem ajudar na solução.
E, nas outras coisas que a gente está a viver hoje, as pessoas precisam, sim, ouvir o otimismo que eu falava na primeira pergunta, mas não pode ser um otimismo besta, desvinculado da realidade.
BBC News Brasil - O que causa ascensão da extrema-direita?
Tavares - A direita neoliberal e libertária, mas também as direitas autoritárias, de outra forma, propõem e prometem um mundo sem fricção. Ao passo que,cassino com giros gratisboa medida, as nossas políticas sociais ainda têm uma grande dose de fricção.
É muito simples. No mercado,cassino com giros gratisque a gente compra e vende ecassino com giros gratisque a gente atua como consumidor, há um grande fator de fricção, uma grande barreira, que é: você tem dinheiro ou não tem dinheiro.
Mas se você tem dinheiro, a partir daí a coisa funciona quase sem fricção, porque a competição entre empresas está organizada para ser o mais fácil possível conseguir aquilo que você quer. E a empresa que tem menos fricção ganha sobre aquela que tem mais.
E é por isso que muitas coisas são muito simples. E isso, nomeadamente para muitos jovens, é uma proposição muito interessante. É assim porque o que muitos desses jovens dizem é: cobrem menos impostos, tire menos dinheiro do meu salário, saiam da minha frente, na verdade, porque eu com o meu dinheiro eu chego lá na loja e compro. E eu nem preciso de ir na loja: compro na internet e trazem na porta da minha casa. E se aquilo for fácil de montar, ganho uma vida sem fricção.
BBC News Brasil - Não há como competir com esse discurso?
Tavares - Aqueles que defendem políticas sociais, como eu, muitas vezes propõem algo assim, pelo menos aqui na Europa. No Brasil, não sei se é bem assim.
Imagina, tu tens um projeto social para o teu bairro, vai fazer um projeto interessante, vai montar uma associação, ter o trabalho, burocracia, documentos, etc.
Essa associação, ela vai concorrer a um projeto, mais trabalho, burocracia, documentação, etc. E com sorte vocês ganham esse projeto. Mas durante todo esse projeto, até porque a direita conseguiu criar toda uma desconfiançacassino com giros gratisrelação às políticas sociais ecassino com giros gratisrelação aos mais pobres, vai precisar documentar, etc, etc, etc.
E, portanto, mais trabalho. No fim disso tudo você vai ter um subsídio que vai permitir fazer um trabalho que vai finalmente melhorar o teu bairro, mas que se não for documentado, burocratizado, fiscalizado, vai vir alguém que vai dizer que esse dinheiro foi jogado fora, que é tudo uma mamata da esquerda, como se dizia aí, que é corrupção, e por aí afora.
Você já viu até o tempo que demora a explicar isso, quando o agente no mercado simplesmente diz não, eu só quero menos impostos, mais dinheiro, eu vou lá e eu compro na loja, que é o que eu quero.
BBC News Brasil - Por que você considera o Brasil diferente?
Tavares - Na Europa, vivemos um caso extremo disso. Todas as políticas sociais são hipercomplicadas e todas as soluções de mercado se apresentam como sendo sem fricção.
Vocês, apesar de tudo aí no Brasil, conquistaram algumas políticas sociais, como o Bolsa Família, que têm menos fricção e, por causa disso, hojecassino com giros gratisdia, nem a direita propõe acabar com elas.
Mas é preciso entender que uma das grandes razões do sucesso delas é a simplicidade. A gente tem que pensar na forma de propor políticas que sejam generosas, que sejam sociais e tem que pensar que as pessoas querem simplicidade e a gente tem que falar essa linguagem da simplicidade. E não digo só no discurso.
Claro que o discurso político precisa de uma simplicidade inteligente para combater a simplicidade estúpida. Mas as próprias políticas sociais têm que ter uma forma simples de acesso. Porque, enquanto as pessoas são ainda jovens, enquanto não tiverem tantos problemas de saúde, enquanto elas não encararam acassino com giros gratisprimeira depressão, não passaram por dificuldades, vai ser relativamente simples dizer: olha, eu só quero o meu dinheiro, não quero nada disso.
Cobra menos impostos e eu vou lá e compro. A gente tem de entender a razão do sucesso do discurso egoísta e individualista para poder explicar como é que a gente pode fazercassino com giros gratisconjunto coisas que são melhores para todos, mas que tem que respeitar o desejo de independência que cada pessoa tem.
BBC News Brasil - Como lidar com otimismo com a inteligência artificial?
Tavares - A inteligência artificial pode ser uma grande ajuda para a gente se isso se converter, por exemplo,cassino com giros gratismenos dias de trabalho.
Se conseguirmos integrá-la aos nossos mecanismos de trabalho, será bom para toda a gente. Isso pode ser feito a pequena escala. Em Portugal, temos o projeto-piloto da semana de quatro dias, que vocês chamam escala 4x3.
O processo começa por um momento de democracia no local de um trabalhocassino com giros gratisque o chefe, o gerente, o patrão, o administrador e o trabalhador olham para a semana e com um objetivo bem concretocassino com giros gratismente, dizem: "Ah, se a gente não fizer esta reunião neste dia, se a gente mudar este ou aquele processo, a gente consegue uma coisa que é boa para o trabalhador e que é boa gestão para a empresa, porque trabalhadores mais frescos causam menos erros, menos acidentes no trabalho e produzem melhor".
Aí está um exemplo. A gente tem uma coisa complexa que, trazendo as pessoas para a solução, pode ser resolvida.
BBC News Brasil - Mas a solução não vemcassino com giros gratisum momento de crise do trabalho?
Tavares - Creio que há uma obrigaçãocassino com giros gratistornar o trabalho como o conhecemos até agora, subordinado, com carteira de trabalho e um horário como algo melhor e mais desejável para as pessoas.
E eu falo muito de alguns projetos de desejo político, é claro. Um objeto de desejo político fundamental é a diminuição do horário de trabalho. Foi isso que os anarquistas começaram a fazer lá no século 18, com o novo movimento operário.
Era uma coisa um pouco paradoxal, porque eram anarquistas lutando por uma lei, aqueles mártires de Chicago, que deram origem ao 1º de maio, eram anarquistas que queriam uma lei para diminuir o horário de trabalho.
Porque isso dava liberdade. E, se a pessoacassino com giros gratisvez de trabalhar 14 ou 16 horas, trabalhasse no máximo 8 horas, isso significava que tinha 8 horas para descansar e outras 8 para fazer aquilo que bem entendesse.
Não era mudar o sistema todo de hoje para amanhã e a pessoa ser livre, mas pelo menos todos os dias a pessoa poder ser mais livre por oito horas.
E se hoje a gente conseguir mudar para uma escala 4x3, isso significa muito mais liberdade para as pessoas. E o que é incrível, e talvez a esquerda não se aperceba disso, é que está toda a gente a falar disso.
Acabei de chegar do Brasil num momentocassino com giros gratisque eu ia apanhar o avião e as senhoras estavam no balcão do check-in a falar da semana de quatro dias.
E eu pude dizer que nós já fizemos um testecassino com giros gratisPortugal e que mil trabalhadores fizeram um testecassino com giros gratis40 empresas de semana de quatro dias, cujo relatório está disponível e os resultados são incríveis, melhores do que a gente esperava. Menos ansiedade, menos distúrbios no sono, menos síndrome de pânico, menos erros no trabalho e menos acidentes no trabalho.
Praticamente metade dos trabalhadores dizia ter dificuldade de conciliação com a vida familiar e isso caiu para menos de um décimo. Ficou só 9%. E o que quer dizer que há até bom argumento pró-família.
Bom argumento para a gente, talvez até para um eleitorado mais conservador, para a gente olhar a semana de quatro dias, pois ela serve também para quem quer ficar mais com a família. Para cuidar dos filhos ou para cuidar da pessoa mais idosa que estácassino com giros gratiscasa e que precisa de cuidados.
BBC News Brasil - Qual a extensão deste tema para o debate político?
Tavares - A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e o vereador carioca Rick Azevedo (PSOL) acertaramcassino com giros gratisum objeto de desejo político.
A direita criticacassino com giros gratisboa medida porque ela entende que a esquerda aqui acertou num objeto de desejo político que é ganhador.
Agora, da mesma forma, a esquerda tem obrigação de entender porque é que essa coisa do empresáriocassino com giros gratisnome individual ou do trabalhador de plataforma e do coach tem sucesso entre a população de hoje.
Em primeiro lugar, é o sonho de uma independência modesta, não é a de uma prosperidade que dá a independência de uma pessoa, de uma família.
É um sonho antigo e deve ser respeitado. Inclusive era forte na esquerda do século 19, o pequeno comerciante, o pequeno artesão, o artista tinha um papel muito importante.
A esquerda industrializada e sindicalizada de massas é muito típica do marxismo, mas noutras correntes da esquerda e do socialismocassino com giros gratisparticular, no anarquismo e no republicanismo, havia um papel muito importante pelo pequeno lojista ou pequeno advogado, etc.
Foram camadas muito importantes e muito progressistas de gente que não estava interessada no trabalho mais formal, mas interessadacassino com giros gratisconquistar o suficiente para dar independência para si e para as suas famílias.
E hojecassino com giros gratisdia temos a direita propondo esse tipo de figura e função social e alguma esquerda, eu não diria toda, ainda muito agarrada a uma função social do trabalho, que era típica da grande empresa, mas também do patronato, muito forte e estabelecido.
E então temos obrigação de entender qual é a metamorfose que tem aí, que não é nova. Ela já tem tempo e procurar soluções para que a gente entenda o que as pessoas querem e depois possa apresentar propostas para ela.
BBC News Brasil - E com relação às mudanças climáticas?
Tavares - Nós não tivermos cuidado de explicar às pessoas que as alterações climáticas são um problema que tem uma solução, aquilo que nós, indiretamente, ao jogar nas pessoas, provocamos uma reação que diz das duas uma: ou que no passado era melhor ou que devemos ser egoístas enquanto estiver bom para a gente tentar se concentrarcassino com giros gratisse salvar, a nós e aos mais próximos de nós, num cenário quase apocalíptico.
Isso não é o que interessa para a esquerda, porque os sentimentos da esquerda, dos progressistas, aqueles que a gente precisa estimular, são os da solidariedade, da generosidade e da capacidade de fazer coisascassino com giros gratisconjunto.
Portanto, a cordialidade, a camaradagem e a ideia de que o futuro vai ser melhor não é que pode ser melhor, mas é de que vai ser melhor se nós nos empenharmos nissocassino com giros gratisconjunto.
Ora, tudo isso precisa de otimismo. Sem otimismo, não posso convencer o meu vizinho do lado a vir comigo a qualquer lugar. Isso é da vida comum e é também da própria vida política. E, portanto, se eu não mobilizo pessoas, eu não posso esperar ter vitórias. Se eu não tiver vitória, eu não posso trazer o otimismo para a política e explicar para as pessoas, através da ação primeiro, como é que é a esperança das coisas melhorarem vem depois.
BBC News Brasil - Como dizer isso?
Tavares - As pessoas querem deixar um mundo melhor aos seus filhos e aos seus netos.
As pessoas querem um mundo mais saudável, com menos doenças respiratórias, e com um clima mais previsível.
Se houver os incentivos, políticas sociais e respostas certas para as indústrias que vão ser deslocadas, e se houver protagonistas com credibilidade para explicar isso às pessoas, as pessoas querem. Até porque tem vantagens.
Claro que resolver o problema das alterações climáticas, dos gases de efeito estufa, demora. Se a gente fizer uma transição do carro com o combustível fóssil para o carro elétrico, melhorará os gases com efeito de estufa, que temos na atmosfera do planeta todo.
Podem não ser, talvez, o incentivo direto mais fácil que a gente tem para as pessoas, mas os gases poluentes são mais locais e ficam nas cidades, nas nossas ruas, nos nossos bairros e também são produzidos pelos mesmos carros. Na verdade, esses com as primeiras chuvas, eles passam e isso significa menos doenças respiratórias.
Acho que pode ser interessante para uma mãe, que tem um filho com uma doença respiratória, pensar que a cidade vai ficar mais limpa se a gente substituir essa frota e que depois das primeiras chuvas, não é daqui a 30 anos, é daqui a poucos anos, a gente pode ter um ar mais respirável.
O que também é importante para o idoso. A gente viu na pandemia como é que a doença respiratória pode ser uma sentença de morte. Podemos explicar às pessoas que a atenção àquilo que a gente está a fazer não é uma coisa contra o automobilista do automóvel privado, que precisa do carro para trabalhar.
É uma coisa que, se for feita de forma bem-sucedida, significa que o filho dessa pessoa, e que o pai ou a mãe dessa pessoa, vão viver uma vida melhor proximamente,cassino com giros gratisbreve. Então,cassino com giros gratistudo,cassino com giros gratistodos os desafios que a gente está a viver, a gente tem de encontrar aquilo que é do interesse daquela pessoa específica num curto prazo e explicar porque é que aí está uma vantagem para a pessoa. E aí a gente tem um otimismo, que é um otimismo dos resultados, das conquistas concretas. Não é um otimismo completamente aluado.
BBC News Brasil - E como lidar com os discursos contrários?
Tavares - Uma coisa que me espanta às vezes é a resposta de um Elon Musk de que nós vamos colonizar Marte. E vamos climatizar Marte de uma maneira que vai tornar Marte bom para a vida humana.
E o que é extraordinário é que tu tens muita gente que é ao mesmo tempo cética das alterações climáticas, mas que acha perfeitamente realista a gente chegar a Marte e fazer de Marte um planeta verde. Gente que não quer colaborar na resolução do problema aqui na Terra.
Eu não sei se tem comparação, mas é infinitamente mais fácil resolver o problema na Terra, por muito difícil que ele seja, do que tornar Marte um planeta como a Terra é hoje. Nós já temos um bom planeta. Acho que,cassino com giros gratisparte, a escapatória para esse tipo de soluções completamente, para não dizer irrealistas, eu diria só extraordinariamente impossíveis de conseguircassino com giros gratistermos de coordenação coletiva.
Ela ocorrecassino com giros gratisparte, se nós, do lado da esquerda, só estivermos a dar às pessoas um lado do problema, dizendo o tempo todo que é terrível e não vai haver planeta para todos. Então aí claro que algumas pessoas vão procurar essa escapatória. Se não há planeta para todos, vamos nos mandar daqui, como vocês diriam no Brasil.
O absurdo fica parecendo mais viável do que a solução, ainda que difícil, mas uma solução de coordenação coletiva, que os humanos sabem como fazer, não é feita na mesa.
BBC News Brasil - E como você vê o que tem sido feito neste sentido?
Tavares - A COP de 2025cassino com giros gratisBelém é tão importante, por mais frustrante que seja, porque está toda a gente sentadacassino com giros gratistorno da mesa falando acerca da possibilidade de uma solução.
E se a gente conseguir essa solução, vai ser um grande feito de coordenação coletiva da humanidade nacassino com giros gratishistória. Mexemos com o clima do planeta e conseguiremos nos entender para "desmexer".
A gente já conseguiu isso uma vez com o buraco de ozônio e com os aerossóis, que eram utilizados até os anos 80. Foi um grande feito de coordenação coletiva, mas é menos do que o que a gente precisa para as alterações climáticas.
É muito mais simples do que aquilo que a gente precisaria de fazer para saltar do planeta e tornar Marte um planeta tão bom como a Terra.
Não quer dizer que a gente não explore outros planetas, mas quer dizer a gente conseguir que o nosso planeta continue bom, apesar de tudo, uma coisa mais realista.
BBC News Brasil - Como você, que é anarquista, vê o discurso anarcocapitalista?
Tavares - Quando comecei a ler sobre política, fiquei fascinado com autores anarquistas. Era algo que eu não esperava, porque na minha família havia gente que estava ligada a uma esquerda mais clássica, marxista, e que achava que os anarquistas tinham sido uns tontos e que não sabiam nada de nada. Era tudo o contrário.
Na verdade, os anarquistas no século 19, como um Proudhon, com suas teses federalistas, inventou o tipo de ajuda mútua que vemos no sindicalismo e nas confederações sindicais.
Eles tinham uma noção muito clara de que na esquerda deveria estar uma defesa da liberdade, e aquilo que não estava tão claro para eles era o que os social-democratas provaram com o Estado Social, no século 20, que o Estado também poderia ser uma ferramenta de emancipação das pessoas. Imagino como esses anarquistas, hojecassino com giros gratisdia, veriam o que diz um Javier Milei [presidente da Argentina].
Esta é uma conspurcação da palavra liberdade, desses supostos libertários da direita, a quem eu bem chamo de libertarianos, ou então, como dizia Bookchin, que foi um anarquista importante do século 20, são proprietarianos.
Para eles, aquilo que orienta acassino com giros gratisideologia política não é tanto a liberdade, mas a questão da propriedade. Isso não tem nada, evidentemente, a ver com os autores anarquistas do século 19 e do século 20. E a mim me dá voltas no estômago quando eu os vejo reivindicarem essa palavra, libertário.
Ou, já agora, os autores do século 21 também, porque a gente tem um Chomsky que hoje vive no Brasil e que é talvez o anarquista mais famoso, mais conhecido.
Muita gente nem sabe o que é anarquista e se reivindica anarquista. Está documentado que, evidentemente, é um elemento de ligação com esse anarquismo mais antigo, atécassino com giros gratisgrande medida de raízes judaicas nos Estados Unidos.
De uma Emma Goldman, por exemplo, e de outros autores do início do século 20 que tinham essa noção de que se a esquerda não for pela liberdade, se a esquerda não reivindicar a liberdade, vem uma direita que toma a liberdade da esquerda e que utiliza essa palavra.
E mobiliza as pessoas para um novo autoritarismo e até para uma desumanização das relações através da aplicação de uma lógica econômica a tudo.
BBC News Brasil - Mas o Estado pode ser agente de mudanças?
Tavares - Se a gente olhar para a história do Estado, ele somente funcionou a favor da maior parte das pessoas e das classes com menos poder e com menos dinheirocassino com giros gratissituações relativamente restritas, de grande pressão social, de mobilização dos trabalhadorescassino com giros gratisparticular e de capacidade de organização.
Aí a gente vê que na social-democracia escandinava, por exemplo, eles fizeram coisas extraordinárias de saúde pública, de prestações sociais de educação pública que libertam as pessoas. Mas as coisas deixadas, digamos, ao seu curso, talvez natural, o Estado é facilmente capturável pelos interesses dos mais ricos e dos mais poderosos como grande instrumento de controle e de vigilância social.
Era isso o estado do século 19. A gente lembra nos Estados Unidos, numa fasecassino com giros gratisque os grandes magnatas cooptavam o Estado e utilizavam suas agências de detetives privadas para destruir o sindicalismo.
A partir dos anos 30, tivemos com o Roosevelt e o New Deal, um exemplo de como a conciliação entre os interesses dos trabalhadores e dos patrões ajudaria a criar uma mão de obra qualificada que o permitiria alcançar um equilíbrio entre capitalismo e socialismo.
De certa forma, já não era um capitalismo desenfreado, era um sistema misto com setor público, setor privado e setor cooperativo. Acho que a gente pode recuperar isso e que não deve entrar nesses delírios anarcocapitalistas, de abolir um Estado que depois, basicamente, não deixaria nada entre os magnatas e o povo, que seria consumido e consumidor ao mesmo tempo nesse sistema.
Para conseguirmos dar essa resposta, precisamos explicar para a grande massa de hoje, através da cooperação internacional, que a gente não precisa e não deve querer ter gente tão rica como Elon Musk.
BBC News Brasil - No que eles são diferentes dos magnatas de outras épocas?
Tavares - Agora fala-se super ricos, mas a gente devia chamar de super hiper mega ricos, porque eles já não têm comparação com o rico normal.
Um rico dos anos 50 seria alguém como Calouste Gulbenkian, o armênio que tinha 5% do petróleo do Iraque, que era o homem mais rico dos anos 50, que chegou aqui a Portugal e fez um museu, uma orquestra, uma fundação, um ballet, bibliotecas, e ainda sobrou dinheiro para ele e a família dele ficarem muito confortavelmente.
Ora, esse homem pagava pelo menos 50%cassino com giros gratistermos de taxa de impostos. Se fosse nos Estados Unidos de Eisenhower, que era um presidente republicano, ele pagaria até 91% de taxa de imposto sobre as suas camadas de rendimento mais altas. Hojecassino com giros gratisdia a gente tem um super mega rico, como o Elon Musk, e outros como ele que, às vezes, pagam 0,5%.
O Elon Musk, no anocassino com giros gratisque pagou mais, pagou 4,5%, e num ano como o do começo do ano passado, ele começa o ano com cerca de US$ 280 bilhões e gasta US$ 130 milhões na campanha do Trump, que é a maior contribuição das maiores. E a gente pensa US$ 130 milhões é um prêmio do Euromilhões aqui na Europa, nas semanascassino com giros gratisque tem jackpots. Mas, na escala da fortuna dele, fica o preço de um café. Então para ele, US$ 130 milhões - que a maior parte de nós não consegue nem sonharcassino com giros gratister, que daria para ficarmos bem o resto da vida e deixar bem os irmãos, os filhos, etc - para ele é um café.
BBC News Brasil - Qual o risco político que essas pessoas trazem?
Tavares - Musk paga a campanha do Trump, ele ganhacassino com giros gratisaposta e nos dias a seguir à vitória do Trump, ele ganha US$ 28 bilhões e com isso ele passa aos US$ 300 bilhões de fortuna. Sem falar que a criptomoedacassino com giros gratisque ele investe, que se chama Dogecoin - assim como o departamento que foi criado para ele na administração do Trump se chama DOGE, que é o Department of Government Efficiency - subiu 20%.
Quer dizer, isso já não é um conflito de interesses. A gente precisa de novas palavras para isso. Isto é um furúnculo que ameaça transbordar e tomar o mundo todo. Um dia destes, estes super ricos poderão não só ter redes sociais, como já têm, mas poderão comprar exércitos, arsenais e podem ter os satélites que orbitam à volta da Terra e constituir redes de satélites.
E será que nós deveremos querer isso? Porque para nós, apesar de tudo, um Estado que tenha um exército, a gente consegue, de certa forma, controlá-lo. Um homem sozinho, com mais dinheiro do que a maior parte dos países do mundo, é incontrolável, faz o que quer.
BBC News Brasil - É preciso um imposto global sobre eles?
Tavares - Eu valorizo muito essa ação que o Brasil tem tomado, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de pôrcassino com giros gratiscima da mesa a pauta de cobrar impostos sobre grandes fortunas. Com ele, a gente tem uma solução para as alterações climáticas, para tudo o que a gente precisa fazer, a transição para todo o investimento público que a gente precisa fazer.
Mas não só a gente teria uma solução, como a gente teria um problema a menos, porque os super ricos, da maneira como eles estão, é incomparável com os maiores ricos de há duas ou três gerações atrás, são um perigo para o mundo. Imagina ter esse tipo de recursos nas mãos e enlouquecer? Aliás, é quase impossível imaginar ter esse tipo de recursos nas mãos e não enlouquecer. Até para a saúde mental da pessoa, a gente definir aí uma taxa de impostos progressiva, que seja muito alta para os super ricos. A gente não precisa ter gente que caminha para ter US$ 1 trilhão.
BBC News Brasil - Qual o futuro dessas pautascassino com giros gratisum país como o Brasil, que tende a se tornar majoritariamente evangélico?
Tavares - Vou remeter aqui para o último filme da Petra Costa, que eu recomendo vivamente e chama Apocalipse nos Trópicos. Creio que estarácassino com giros gratisdistribuição no Brasil brevemente. Tive uma pequena participação no roteiro do filme e acho que o filme dá muitas pistas sobre esse tema dos evangélicos, ecassino com giros gratisparticular dos neopentecostais, na política. Sou um ateu fascinado pelas religiões. Acho que há um problema que tem a ver com o que é prático na política. Como os dois primeiros mandatos do Lula tiveram políticas sociais que levam mais gente a adquirir casa, a entrar na universidade, poder viajar mais, comprar o seu automóvel.
Porém os louros dessas políticas, numa lógica moral e teológica diferente, não ficam com as políticas públicas e estatais ou outras, ficam apenas com o indivíduo e Deus. Eu tenho isso tudo, mas não foi o Estado que me ajudou, foi Deus.
É preciso conseguir recriar o diálogo que permita ter aqui um consenso mais próximo do que foi a realidade das políticas públicas. O mérito individual tem um papel. A pessoa tem uma crença divina, isso faz parte dacassino com giros gratisprópria personalidade e dacassino com giros gratisfilosofia de vida. Mas se não houver Estado nem políticas públicas, vamos viver numa situação mais complicada,cassino com giros gratisque é muito mais difícil Deus ajudar, diria eu, que sou ateu.
BBC News Brasil - E como estabelecer este diálogo?
Tavares - Há um elemento que me fascina no neopentecostalismo, que está na origem do próprio Pentecostes, que é um milagre que aconteceu 50 dias depois da Páscoa, quando já Cristo tinha ascendido ao céu.
Os apóstolos estão sem Cristo, eles não sabem como é que vão fazer para espalhar a mensagem. As línguas de fogo descem do céu e põem os apóstolos a falar todas as línguas de todos os humanos. Na verdade, é um evento muito interessante no Novo Testamento, porque é uma espécie do oposto da Torre de Babel. Na Torre de Babel, Deus confundiu os humanoscassino com giros gratisvárias nações e com Pentecostes, por intercessão de Cristo, passa a haver uma esperança de conseguir falar com toda a humanidade.
Assistiram àquele episódio árabes, romanos, gregos e os egípcios, etc. E toda a gente entendeu porque os apóstolos estavam a falar tanto que até pensaram que estavam bêbados. Curiosamente, é um milagre muito cosmopolita e, se quisermos, de esquerda. Do ponto de vista da ideia de concórdia, de fraternidade universal, de humanidade como uma comunidadecassino com giros gratissi. Ali talvez esteja uma pista para um diálogo com os neopentecostais.
Por outro lado, também pode ter uma tradução hiper elitista e a gente vê isso no fenômeno do falarcassino com giros gratislínguas. Há uma elite do neopentecostalismo que se presume não apenas cristã e crente, mas profeta, porque crê que não foi batizada só pela água, como é o batismo normal, mas foi batizada pelo fogo, que é o batismo das línguas de fogo do Pentecostes. Isso lhes permite profetizar e os põe a uma distância muito grande do resto da comunidade de crentes, o que pode levar a fenômenos autoritários.
Vai ter que haver uma aprendizagem de onde estão elementos que são de progresso, de generosidade e de solidariedade na religião. O fenômeno religioso não pode ser desvalorizado como alguns marxistas faziam, como uma superestrutura meramente espiritual. Preocupados com o materialismo histórico, portanto com as coisas meramente econômicas, para eles a religião era apenas uma espécie de emanação dos modos de produção. Isso é uma maneira completamente errada de olhar para os fenômenos culturais.
Marx disse uma vez que a religião é o ópio do povo, mas acho que ele nunca se preocupoucassino com giros gratisentender oucassino com giros gratisexplicar a seguir que há uma razão porque o ópio era considerado bom. Teve derivações como o futebol é o ópio do povo e por aí afora, mas sempre que os intelectuais de esquerda se aproximaram desses fenômenos a partir de uma posição de arrogância, eles falharam.
É preciso entender o apelo que o futebol tem e até apreciá-lo. Demorou muito tempo, mas hojecassino com giros gratisdia a gente vê que os intelectuais, até muito por ação de autores e escritores brasileiros, normalizaram o amor pelo futebol, que não é uma coisa à parte do prazer das ideias, mas que é uma coisa que faz parte da criatividade viva da expressão humana e do talento.
BBC News Brasil - Como você vê as chamadas pautas identitárias dentro da esquerda atual?
Tavares - O pessoal tem que entender que o fenômeno cultural é motor de mudança. Isso vale também para as identidades. Lembro de quando voltei ao Brasil, depois de muitos anos de ausência, e fui a um encontro na Fundição Progresso, no Rio. Estava lá o Pablo Capilé, que me disse assim pela primeira vez: "Cara, tem uma esquerda tradicional da luta de classes e uma esquerda do imaginário e da identidade, e elas se detestam".
Foi a primeira vez que alguém me descreveu de forma tão gráfica esse fenômeno. E ainda há muita gente que acha que essa história das identidades é uma distração.
Precisamos entender desde logo que a luta de classes também é uma luta identitária, de criação de uma consciência, portanto, logo, de uma identidade de classe, mas sem entender que identidade é uma coisa que toda a gente tem.
Sem identidade, eu não acordo hoje sabendo que sou mais ou menos a mesma pessoa que eu era ontem. E eu não vou acordar amanhã sabendo que sou a mesma pessoa que sou hoje.
A identidade é uma função da memória. E sem memória nós não somos seres humanos funcionais.
A identidade é a forma como nós contamos a nós mesmos uma história, uma narrativa sobre quem somos. E, portanto, não pode de jeito nenhum ser desvalorizada pela esquerda.
Pela direita religiosa ela não é de todo desvalorizada: eles têm outra porta de entrada na identidade e não desvalorizam nunca o fenômeno identitário, que é essencial à vida humana.