sbt sports-'Cidades inteiras do RS terão que mudar de lugar', diz pesquisador que alertou para despreparo contra chuvas
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O ecólogo Marcelo Dutra da Silva defende que plano de reconstrução do Estado priorize áreas seguras e estratégias para adaptar cidades gaúchas a eventos climáticos extremos.sbt sports de :Temos os melhores relatórios de previsão, você está convidado a participar
"O comportamento das chuvas mudou. Eu tenho feito um levantamento e já percebi que de 2013 pra frente nós temos um acumulado de precipitação [chuvas] no mês de mais de 300 ml. A minha pergunta é: o que nós, por exemplo, na Defesa Civil, temos programado para prever essas possibilidades? Em algum momento, vamos começar a ver [inundações]sbt sportsáreassbt sportsque a água não chegava com tanta frequência e vamos lembrar disso que estamos falando aqui."
O alerta acima, feitosbt sportsjunho de 2022 durante uma audiência pública na Câmara Municipal de Pelotas (RS) e apontadosbt sportsvídeos nas redes sociais como "profecia" à luz das inundações que já deixaram pelo menos 90 mortos no Rio Grande do Sul, é do ecólogo Marcelo Dutra da Silva, doutorsbt sportsciências e professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Na ocasião, durante um debate sobre mudanças climáticas, o pesquisador chamava atenção para o fato de que muitas cidades gaúchas estavam totalmente despreparadas para chuvas extremas: não sabiam quais eram suas áreas de risco, quais regiões eram vulneráveis a inundações, ou quem seriam os primeiros moradores do Estado a serem atingidos pelas águas.
"Não podemos impedir que o evento climático ocorra, nem os próximos, porque eles vão acontecer. Mas dá para sermos mais resilientes a isso? Dá. Talvez se nós já tivéssemos afastado as pessoas das áreas de maior risco. É possível saber onde o evento se torna mais grave primeiro", pondera, acrescentando que um planejamento ambiental teria tornado possível, por exemplo, retirar moradores das áreas mais vulneráveis com antecedência.
Diante das cheias devastadoras que atingem o Rio Grande do Sul menos de seis meses após enchentes que destruíram parte da serra gaúchasbt sportsnovembro do ano passado, o pesquisador defende que, desta vez, a resposta do poder público precisa mudar radicalmente.
"Não adianta querer reconstruir tudo o que foi destruído nesse evento de agora tentando fazer como era antes. Isso já não dá mais".
A reconstrução do Rio Grande do Sul, diz o acadêmico, precisará ser planejada considerando quais as áreas mais seguras e resistentes às variações climáticas extremas, que vieram para ficar.
"Cidades inteiras vão ter que mudar de lugar. É preciso afastar as infraestruturas urbanas desses ambientes de maior risco, que são as áreas mais baixas, planas e úmidas, as áreas de encostas, as margens de rios e as cidades que estão dentro de vales", diz.
Tais mudanças envolverão o que ele chama de "desedificar": remover as estruturas das cidades que estãosbt sportsáreas de risco e recomeçarsbt sportsregiões mais seguras.
"Precisamos devolver para a natureza esses espaços que estão mais sensíveis ao alagamento", diz.
Onde está o maior perigo: vales e margens
Grande parte do despreparo das cidades para a nova realidade climática se dá porque elas crescem sem considerar a geografia do Estado e seus níveis de vulnerabilidade diante das previsões climáticas, bem como a preservação da natureza.
"Os municípios gaúchos vêm enfrentando um forte crescimento urbano sobre áreas úmidas remanescentes", explica.
Não se trata apenas de retirar a população que morasbt sportsáreas de encostas, mas todas as regiões sensíveis a situações de alagamento e deslizamento.
Em geral, as áreas mais valorizadas pelo setor imobiliário para grandes empreendimentos e pela própria população são justamente as mais vulneráveis a inundações: próximas a margens de rios e lagos, ousbt sportsáreas planas, baixas e úmidas.
Além de menos resilientes, as áreas úmidas têm papel importante na prevenção de enchentes, já que deveriam servir como "esponja"sbt sportsperíodos de chuvas fortes, explica o pesquisador.
"Essas áreas são importantes porque tem o que chamamos de efeito esponja: esse serviço dado pela natureza é justamente para que quando há uma grande carga d'água ela vá para lá, e as zonas mais altas fiquem seguras", diz.
Do ponto de vista do risco ambiental, as decisões de expansão urbana têm ido na contramão da segurança, diz o ecólogo.
"Estamos fazendo o contrário do que deveríamos: estamos indo para dentro de onde não deveríamos ir, nos expondo ao risco, criando situações que colocam vidassbt sportsperigo, e prejuízos recorrentes."
Tragédia repetida
Outro aspecto geográfico do Rio Grande do Sul que precisa ser considerado na adaptação à nova realidade climática é que há muitas cidades localizadas dentro dos vales de rios, que são áreas de baixa altitude cercadas por áreas mais altas, como morros e montanhas, e próximos à água.
"Tem várias cidades inteiras que estãosbt sportsregião de vale: áreas sujeitas a receber grandes cargas de águasbt sportsum evento extremo como esse. E aí não adianta reconstruir aquela cidade dentro do vale, porque ela vai continuar ameaçada. Porque os eventos climáticos vão se repetir", afirma.
Ele cita o exemplo de Muçum, cidade no Vale do Rio Taquari.
Reportagem da BBC News Brasil mostrou que o município já havia sido afetado por inundações três vezes durante 2023 - a primeirasbt sportsjunho, que vitimou 16 pessoas no estado;sbt sportssetembro, quando 53 pessoas morreramsbt sportsdecorrência da passagem de um ciclone extratropical; esbt sportsnovembro, quando mais de 700 mil pessoas foram afetadas por chuvas torrenciais.
"Temos exemplos de cidades que foram atingidassbt sports22, 23, e as pessoas perderam as coisas pela quarta vez, como Muçum, Lajeado. Algumas pessoas já estão tão desalentadas que já dizemsbt sportsentrevistas que nem compraram mais móveis, mais carro, porque sabem que vão perder de novo", diz, destacando que nesse caso, a falha do poder público foi permitir que as famílias reconstruíssem suas vidas no mesmo lugar, sem oferecer planos de moradia mais seguros.
"Esse novo plano de reconstrução precisa vir com um plano de adaptação às mudanças climáticas", afirma.
Nova lógica para a reconstrução
O acadêmico, que defende que todas as cidades atingidas revisem seus planos diretores antes de reconstruir tudo o que foi perdido, diz que "não adianta mais querer construir, ou reconstruir tudo o que foi destruído nesse evento de agora tentando fazer como era antes".
Para o professor, tanto governo estadual quanto federal poderiam estimular tais revisões, talvez colocando-as como requisitos para que as prefeituras tenham acesso aos recursos para financiamento da reconstrução.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), já declarou que o Estado vai precisar de um "plano Marshall", fazendo referência ao plano de reconstrução na Europa após a Segunda Guerra Mundial.
O plano de reconstrução das cidades, alerta o pesquisador, não poderá mais se basearsbt sportsedificações nas áreas baixas, planas e úmidas e ambientes de margem de rios, lagos e córregos, como acontecesbt sportsmuitas cidades da costa, como Pelotas, e mesmosbt sportsbairros de Porto Alegre próximos ao Lago Guaíba.
"O olhar daqui para a frente precisa ser mais técnico, e pensarsbt sportsadaptar a cidade para situações tão extremas".
"Críticos vão dizer que estamos preocupados só com a biodiversidade, e argumentam que é preciso pensar na vida das pessoas, no desenvolvimento. Se eu estivesse só preocupado com a biodiversidade tudo bem, mas nem estamos mais falando disso, neste caso", afirma. "Estamos falando de sobrevivência, porque significa você colocar lá um empreendimento e ele ficar debaixo d'água."
Mais resistência a extremos
Outro aspecto importante da reconstrução do Estado, que será longa e árdua, será investirsbt sportsestruturas mais preparadas para eventos climáticos.
"Vamos ter que reconstruir, sim, só que agora pensandosbt sportspontes que são muito mais elevadas e robustas, estradas que são muito mais preparadas e resilientes a processos tão extremos de presença de água".
Tecnologias para alertar a população de maneira mais eficiente sobre potenciais desastres, na visão do professor, têm efeito limitado se não vierem acompanhadas de mudanças mais drásticas.
"Quaisquer tecnologias de aviso serão inúteis se continuarmos mantendo as pessoas e as infraestruturas nos lugares que estarão sempresbt sportsrisco. O que adianta avisar que as pessoas saiam se elas vão perder absolutamente tudo?", questiona.
"O investimento rápido vai ter que ser na correção dessas cidades, na atualização dessas cidades, para que a gente se torne mais adaptado a essa nova condição. Porque não é só alertar".
Em outra frente, o pesquisador diz que é preciso investirsbt sportsformas menos centralizadas de construir as cidades, de modo a permitir que a água flua com mais facilidade para o oceano.
"Precisamos permitir que a água passe, que a água flua,sbt sportsvez de tentar barrá-la. Temos que recuperar, por exemplo, a vegetação natural nas áreas de preservação permanente e de produção".
Outra recomendação, considerando que os eventos climáticos extremos também prevêem períodos de intensa seca, é aproveitar os períodos de chuva para armazenar águasbt sportssistemas de açudes ou outros reservatórios hídricos.
"Boa parte dessa água toda chovendo agora está simplesmente sendo perdida esbt sportsalgum momento vai fazer falta, porque está chovendo muito agora e vai chover muito pouco depois".
Convencer a população de que a nova realidade climática veio para ficar, diz, é parte importante do trabalho de evitar novas tragédias ambientais.
"Infelizmente tem gente que acha que isso aconteceu, mas amanhã passou e vida que segue", lamenta. "Não é um momento; é um período que talvez será assim por muito tempo, e precisamos nos preparar para nos encaixar dentro dele".