bet777 apostas online-A polêmica cassação de médico após morte de bebêbet777 apostas onlineparto domiciliar
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Ainda nem era dia na China quando Ricardo Jones, de 57 anos, teve o sono interrompido por notificações no aplicativo de mensagens no celular.
Era o filho mais velho avisando que a decisão do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), que cassara o registro médico de Jones quatro meses antes, tinha sido publicada num jornal de grande circulação naquela terça-feira, 22 de novembro de 2016.
A publicação concretizava a cassação, tornando público que o obstetra - com mais de 30 anos de carreira - estava impedido de exercer a profissão por "imperícia, imprudência e negligência".
"Comete delito ético o médico que atender partobet777 apostas onlinelocal e condições inadequadas colocandobet777 apostas onlinerisco a saúde e a vida da parturiente e do concepto, por ação ou omissão", diz a nota, fazendo alusão ao artigo 1º do Código de Ética Médica.
A decisão também considerou que Jones infringiu o artigo 87, por não elaborar prontuário do paciente no caso julgado - um parto domiciliarbet777 apostas online2010 na capital gaúcha,bet777 apostas onlineque o bebê morreu 24 horas após o nascimento.
Prevendo a repercussão, Jones foi até o corredor do hotel, onde o sinal fraco da internet chinesa melhorava um pouco, e redigiubet777 apostas onlineresposta.
"A punição visa atingir não apenas o profissional, mas suas ideias ebet777 apostas onlineluta contra a violência obstétrica e o abuso de cesarianasbet777 apostas onlinenosso meio", escreveu.
Em poucas horas, a publicação alcançou mais de 5 mil reações e 1,5 mil compartilhamentos no Facebook, e motivou ativistas do parto natural a manifestar apoio na rede social por meio da hashtag #euapoioricjones.
Publicada, a decisão do Cremers colocoubet777 apostas onlineevidência não apenas a carreira do médico, reconhecido defesor do parto normal, mas o embate entre diferentes concepções de obstetrícia, o ramo da Medicina que cuida da gravidez, do parto e da saúde feminina no pós-parto.
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Processo de cassaçãoDesde a sentença, Jones evita ir ao consultório. Falou com a BBC Brasil no café de um shopping e tem usado como escritório um sítio da família na zona sul de Porto Alegre, onde planeja construir uma ecovila.
Em três décadas de trabalho, o obstetra anotou mais de 2 mil partos numa caderneta que o acompanha desde o Natal de 1985, quando fez o primeiro plantão obstétrico num hospital de Porto Alegre. A última anotação data de 29 de junho de 2016 - ironicamente, uma cesariana.
Nos últimos meses, ele vinha planejando um afastamento gradual das atividades clínicas e pretendia se dedicar mais a dar cursos e escrever livros - já tem dois publicados, o mais recente se chama Entre as Orelhas - Histórias de Parto (Ideias, 2012).
A ida à China era parte do projeto. "Só neste ano, estive na Inglaterra, fui duas vezes à China e ainda vou aos EUA. Fui convidado para ser professorbet777 apostas onlineescolas de parteiras na China, meus livros estão sendo traduzidos para mandarim e inglês. Acabaram 34 anos de bullying. Agora, vou continuar na minha atividade com uma liberdade que eu nunca tive", projeta.
Apesar da aparente empolgação com novos projetos, Ric Jones, como tornou-se conhecido, não está indiferente à cassação do registro profissional, que é irreversível nas instâncias médicas.
Ele se articula para recorrer à Justiça comum e pretende denunciar a ação do Conselhobet777 apostas onlineórgãos internacionais de defesa dos direitos humanos. Diz considerar a medida injusta e desproporcional. "É um erro achar que é contra a minha pessoa, é contra a causa."
O coordenador das Câmaras Técnicas do Cremers, Jefferson Piva, é enfático ao afirmar o contrário: "Não estamos condenando o parto domiciliar e, sim, um ato médico que não seguiu os procedimentos necessários".
Os conselheiros entenderam que, no caso julgado, a realização do parto fora do ambiente hospitalar e a remoção do recém-nascido sem ambulância contribuíram decisivamente para a morte do bebê.
Jones contesta o juízo do Cremers e sustenta que houve problemas no manejo do caso quando a criança já estava hospitalizada.
"A mãe entrou espontaneamentebet777 apostas onlinetrabalho de parto e a criança nasceu bem, mas apresentou gemência (gemer por problemas respiratórios) que se prolongou, por isso foi levada ao hospital. O bebê foi internado na UTI, ficou três horas e meiabet777 apostas onlineobservação, e somente após quatro horas e meia foi medicado corretamente para suspeita de infecção congênita por streptococcus e morreu 24 horas depois", alega.
Sobre a falta de prontuário, Jones afirma que foi realizado e entregue, mas não foi aceito porque estava sem a assinatura. "Não consta lugar para assinatura no modelo usado pelo hospital", justifica.
Reincidência pesou na decisão
A cassação de um registro médico, pena máxima da categoria, é rara. No Rio Grande do Sul, há apenas outros dois casos nos últimos dez anos, sendo um referente a um implante de prótese peniana sem necessidade e outro por manter uma clínica de aborto.
Cada denúncia passa por uma câmara de sindicância. O médico envolvido apresentabet777 apostas onlinedefesa à relatoria, uma comissão formada por sete conselheiros analisa os argumentos e decide se instaura o processo ou se encaminha uma diligência interna, que seria uma espécie de conciliação.
No caso de abertura de processo, o rito é semelhante ao do Judiciário: um conselheiro conduz como instrutor, testemunhas, advogados e as partes são ouvidas, documentos são apresentados, e há o julgamento.
As penas são progressivas, desde medidas administrativas até advertência pública, suspensão e, por fim, cancelamento do registro. No caso da última, é obrigatório que o plenário do Conselho endosse a decisão. Em caso positivo, ainda é necessário que o plenário do Conselho Federal de Medicina também se manifeste a favor. Foi o que aconteceu no caso Ric Jones.
"Ele não é primário e há outros processos que seguembet777 apostas onlineandamento no Conselho", complementa Jefferson Piva, sem detalhar outros casos investigados, por serem sigilosos.
Jones afirma que só teve duas complicações graves nos partos que realizou: o parto domiciliar que resultou na cassação e um caso anterior,bet777 apostas online2000, quando morreram mãe e filho após a realização do parto numa reconhecida maternidade porto-alegrense.
A paciente, que acabou tendo de passar por uma cesariana, teve embolia aguda por líquido amniótico, uma complicação rara que ocorre quando o líquido amniótico penetra na corrente sanguínea da mãe.
Dados da Amniotic Fluid Embolism Foundation, fundação estadunidense especializada no tema, indicam que a incidência é de um entre 15 mil partos na América do Norte e a prevenção é impossível, pois as causas ainda não são totalmente compreendidas.
O médico alegou que a embolia estava controlada, mas a paciente teve varicela, contraída na UTI do hospital - a morte ocorreu três semanas após o parto. O bebê ainda resistiu por mais 14 dias.
O Cremers havia decidido pela suspensão de Jones por 30 dias, por entender que ele prolongou a decisão pela cirurgia, mas o CFM atenuou a pena para uma advertência privada.
Ainda assim, Jones foi condenado na Justiça comum por dois homicídios culposos (sem intenção, da mãe e do bebê), com pena de dois anos e quatro meses de detenção, convertidabet777 apostas onlineprestação de serviços comunitários.
"Depois disso, eu sabia que meus partos teriam de ser sempre perfeitos", diz Jones.
Controvérsia
Dados sobre a segurança de se realizar um partobet777 apostas onlinecasa ainda são controversos na bibliografia científica e mais particularmente no contexto brasileiro, onde 98% dos partos ocorrembet777 apostas onlinehospitais, sendo que 56% são cesarianas - o país é líder mundial nesse procedimento, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ao apresentar um relatório sobre o temabet777 apostas online2015, a diretora do Departamento de Saúde e Pesquisas da OMS, Marleen Temmerman, afirmou que se instalou no Brasil "uma verdadeira cultura da cesariana".
Diretor de Defesa e Valorização Profissional da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o médico Juvenal Borriello relativiza a "epidemia de cesarianas" criticada pela OMS.
"Não concordamos com o alto número de cesarianas feitas no Brasil, mas também não concordamos que esse índice seja atribuído única e exclusivamente ao médico. Há vários fatores, como a falta de disponibilidade do ambiente hospitalar e também a opção da própria gestante."
A Febrasgo tem um posicionamento bem definido no sentido de não recomendar partos domiciliares. "Eticamente e cientificamente entendemos que o partobet777 apostas onlinecasa não oferece todo o arsenal de segurança que um hospital oferece. Mesmobet777 apostas onlinecasos de baixo risco, se há uma emergência, o sistema de saúde brasileiro nem sempre proporciona socorro rápido e que os pacientes cheguembet777 apostas onlineboas condições a um hospital", explica.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) não proíbe, mas também não aconselha a realização de partos fora de hospitais. Em uma publicação de 2012, a entidade informa que o plenário do Conselho decidiu recomendar a realização de partosbet777 apostas onlineambiente hospitalar "de forma preferencial".
Entre os estudos que embasam a recomendação, o CFM cita um artigo publicado no American Journal of Obstetrics and Gynecology que encontrou uma taxa de morte neonatal de 0,2% (32 mortesbet777 apostas online16.500 nascimentos)bet777 apostas onlinepartos domiciliares comparada a 0,09% (32bet777 apostas online33.302 nascimentos)bet777 apostas onlinepartos hospitalares.
Ou seja, o número de mortes de crianças nos procedimentos realizadosbet777 apostas onlinecasa seria duas vezes maior do que os que ocorrembet777 apostas onlinehospitais.
Na contramão, o Instituto Nacional para Saúde e Excelênciabet777 apostas onlineAtendimento, órgão consultivo do sistema público de saúde britânico disse recentemente que pelo menos 45% das mulheres teriam risco muito baixo de complicações e poderiam ter seus filhos fora de hospitais.
Entre mulheres que davam à luz ao primeiro filho, o número de partos sem intervenções médicas foi maior naqueles realizadosbet777 apostas onlinecasa ebet777 apostas onlinecentros de parteiras do quebet777 apostas onlinehospitais, segundo o órgão.
Entre as razões para isso, pode estar, de um lado, a sensação de conforto promovida no ambiente familiar e com parteiras conhecidas, e de outro, a ênfase de alguns médicosbet777 apostas onlineoptar por intervenções clínicas.
Cenário brasileiro
Ricardo Jones se considera solitário por defender o parto natural no meio médico brasileiro desde a faculdade de Medicina, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Tudo começou com o nascimento do primeiro filho, Lucas, hoje com 34 anos. "Tive oportunidade de assistir ao parto porque estava no terceiro ano de Medicina, ninguém permitia que o pai ficasse na sala de parto naquela época. Presenciei todas as violências obstétricas possíveis, a pediatra arrancou o bebê dos braços da minha mulher, mas foi ali que decidi ser obstetra. Fiquei magnetizado pela força do nascimento", conta.
Na faculdade, porém, Jones não encontrava interlocutores, nem entre os professores nem entre os colegas. Um diálogo no corredor de uma das mais tradicionais escolas de Medicina foi marcante.
Jones mostrou a um colega que estava lendo um livro sobre o parto de cócoras, de Moysés Paciornik, e ouviu: "Tu só não consegues descer no meu conceito, porque de onde tu estás é difícil cair."
Apelidos pejorativos o acompanharam por toda a carreira, apontavam-no como "médico metido a parteiro" ou "aquele que atende de cocar".
Outros que fazem coro com Jones têm sofrido sançõesbet777 apostas onlineoutras partes do Brasil, como a obstetra Patrícia Huguet, que teve suspensão preventiva decretada pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo e está impedida de exercer a profissão por seis meses.
Conselhos regionais também atuam para desaconselhar partos domiciliares por meio de resoluções, como no Rio de Janeiro, que publicou normabet777 apostas online2012 proibindo médicos de atuarembet777 apostas onlinepartosbet777 apostas onlinecasa.
"Um adulto assume o próprio risco, mas no caso do parto a autonomia materna tem um limite porque há outro interessado que não responde por si, o bebê. Não se justifica não fazer partobet777 apostas onlinehospital no Brasil, que tem uma rede hospitalar altamente confiável", argumenta o coordenador do Cremers, Jefferson Piva, que é pediatra.
O argumento vai diretamente contra a principal bandeira defendida por ativistas, como a doula Maria de Lourdes da Silva Teixeira, autora do livro A Doula no Parto (Editora Ground, 2003). "O lugar e a forma como vai se dar o parto é um direito de escolha da mulher", sustenta.
Não há um banco de dados que permita quantificar o crescimento da procura por doulas nem precisar o número de mulheres que se dedicam à atividade no país, mas pela atuação na área há cerca de três décadas, Teixeira observa que jovens mães têm se interessado mais pelo tema nos últimos anos.
O acesso à informação propiciado pela internet, inclusive com cursos online para formação de doulas, é uma das razões apontadas pela ativista.
Mesmo o acirramento do embate entre doulas e profissionais de saúde, manifestobet777 apostas onlineresoluções e legislações que tentam barrar ou regulamentar a atuação das acompanhantes de parto, aponta para um fortalecimento da atividade, embora com realidades diferentesbet777 apostas onlinecada região.
Lançadabet777 apostas online2011 pelo Ministério da Saúde, a Rede Cegonha prevê a capacitação e qualificação de doulas e parteiras tradicionais. Uma lei estadualbet777 apostas onlineSanta Catarina, aprovada este ano, assegura a presença das doulas durante o parto e pós-parto imediatobet777 apostas onlinematernidades e hospitais da rede pública e privada.
Na Câmara Municipal de Porto Alegre, por outro lado, um projeto de lei que inclui emenda proibindo a presença das acompanhantes de parto estábet777 apostas onlinediscussão.
Precursor na formação de doulas no Brasil, quando trouxe,bet777 apostas online2002, uma acompanhante de parto dos Estados Unidos para dar o primeiro curso, Ricardo Jones posiciona a cassação do seu registro médico como mais um episódio da controvérsiabet777 apostas onlinetorno do direito de escolha das mulheres sobre como, onde e quem vai lhes ajudar a parir.
"A medicina quer controlar o corpo da mulher. Sou a pessoa mais vocal da causa da humanização dos partos no Brasil, o que mais fala, o que mais viaja. Imagina o que é falar de parto natural no país das cesarianas?", pontua.