Por mais que eu seja extremamente crítica ao vício social da indignação improdutiva, jamais poderei negar que as comoções públicas são legítimas e têm total respaldo na lógica das lutas contra as opressões de raça, classe e gênero e preconceitos que as tangenciam. Principalmente no caso de uma sociedade como a nossa, onde o feminicídio mata centenas de “empoderadas” anualmente. Todas com sangue de Maria Bonita (ou Joana D’arc) morrendo nas mãos dos moços de bom coração, com seus corpos e suas regras que, infelizmente não são nossos corpos, mas estão submetidos às regras que também não fizemos.
O foco é justamente a potência da naturalização do racismo que está e sempre esteve no óbvio, legível e escancaradamente recorrente comportamento da sociedade e que está representado dentro do programa, não só dessa edição, de todas onde houve ou não negros participando.
A pergunta que não quer calar é:
diferentemente do machismo, o racismo só provoca a comoção generalizada quando tem requintes extremos de crueldade e/ou o assassinato consumado e comprovado a olhos nus?
Novamente pergunto: antes disso, quantos morreram ou se feriram, com ou sem participaçãocomo apostar no jogo de basqueteprotestos, apenas por serem negros? Precisou de um dia para institucionalizar o combate a algo que já havia matado milhares de pessoas.
Precisa morrer para comover?
A discriminação é um dos idiomas principais do racismo e o assassinato de pessoas negras é o ápice decomo apostar no jogo de basqueteexpressão. Ele é equivalente ao assédio e à importunação sexual, que muitas vezes está presente nas pequenas e, aparentemente inocentes, interações cotidianas entre homens e mulherescomo apostar no jogo de basquetetodo e qualquer espaço, inclusive nos realities shows.
Porque não tratamos do racismo nas pequenas expressões cotidianas, nas sutilezas decomo apostar no jogo de basquetepresença nas interações entre negritude e branquitude tal qual estamos tratando o machismo?
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O choro ou o sofrimento da mulher branca é validado por outras mulheres brancas, mas e as micro violências cotidianas que se expressam na convivência entre branquitude e negritude, como uso insistente de estereótipos, invalidação intelectual, importunação psíquica, estigmatização do comportamento, preterimento afetivo, entre tantos outros tipos de gaslighting racial que importunam pessoas negras, especialmente mulheres? Não provocam a empatia e a sororidade das mulheres brancas?
Não.
E isso é sintoma da negação e omissão racista que caracteriza o feminismo branco burguês e modista que tomou conta do mainstream nos últimos anos, deturpando conceitos e criando outras formas de exclusão e discriminação entre as subalternidades de gênero.
Esse feminismo torto e inautêntico que nega ou sequer conhecer o fato proclamado pela feminista negra norte-americana Audre Lorde sintetizado na sabia expressão:
“As ferramentas do mestre não irão desmantelar a casa do mestre”.
A negação é uma delas. A omissão é outra. Mulheres brancas usam ambas sem se tocar de que não há separação real entre as práticas do machismo e do racismo. Um se apoia no outro para renovar suas ações e alavancar suas estratégias de defesa da supremacia patriarcal branca.
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E ambas dançam de mãos dadas sob o palco do elitismo, ferramenta fundamental da hierarquia de classes sociais. E todos se correlacionam entre si, simultaneamente e individualmente, atuando na manutenção do status quo das opressões que estruturaram nossa sociedade.
Duvida? Então vejamos.
Antes do assédio e da importunação sexual, o racismo já estavacomo apostar no jogo de basqueteação através do gaslighting racial, que guardada as devidas especificidades, não difere conceitualmente do gaslighting de gênero.
O fato é que toda essa celeuma nos mostra, pela incontável vez, que toda e qualquer ação anti-discriminatória e antirracista só ocorrecomo apostar no jogo de basquetenossa sociedade quando algum tipo de massacre acontece. Como na casa dos brothers e sisters o massacre é psíquico, não comoveu nenhum feminismo nem gerou qualquer tipo de solidariedade, dentro ou fora de lá. Dá até a sensação de que apenas mulheres brancas sofrem assédio e importunação sexual.
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E mais uma vez é preciso perguntar: onde as comoções públicas têm nos levado?
Porque ou ela começa a nos levar a alguma mudança prática que inclua o desmonte do negacionismo diante dos casos cotidianos ou precisamos começar a tratá-las como única e exclusivamente manobra de dissimulação do sadismo supremacista que se regozija diante da morte dos corpos negros e, por isso, usa a indignação como manipulação psicológica para pacificar a negritude mais desatenta que se contenta com discursos que são releituras do mito da democracia racial.