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As últimas semanas no Rio de Janeiro foram marcadas por uma sucessão de episódios de violência que expôs a grave crise que atinge a segurança pública na cidade.
Houve tiroteios e mortesdead or alive 2 betanofavelas cariocas; incêndios de ônibus bloqueando vias e gerando saques; confrontos e mortesdead or alive 2 betanotorno da construção de uma torre blindada "de guerra"dead or alive 2 betanouma das principais vias da comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão - onde cinco pessoas foram mortasdead or alive 2 betanomais um confronto, apenas na quinta-feira.
Para especialistas ouvidos pela BBC Brasil, a cidade vive a maior crise de segurança públicadead or alive 2 betanomais de uma década, com indicadores de violência se aproximando do patamar dos anos anteriores às UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras), que começaram a ser estabelecidasdead or alive 2 betano2008.
O estado não chegou ao mesmo patamar de homicídios de dez anos atrás, mas caminha rapidamente nesta direção, diz o sociólogo Ignacio Cano, sociólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
"Como passamos por alguns anos de otimismo, o golpe é muito maior", diz ele, referindo-se à melhora nos indicadores de violência nos anos posteriores à instalação das UPPs e anteriores à Copa do Mundo. "Não apenas não conseguimos chegar aonde queríamos, mas estamos caminhando para uma situação ainda pior", considera Cano.
Nesta semana, o governo federal anunciou que enviará reforços ao Rio depois de a cidade ter parado na terça-feira, quando bandidos atearam fogo a nove ônibus e dois caminhõesdead or alive 2 betanoalgumas das principais vias de acesso à cidade - represália de facções criminosas contra operações policiaisdead or alive 2 betanouma comunidade.
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O Ministério da Justiça prometera mandar cem homens da Força Nacional de Segurança e agora diz que o número pode chegar a 300, após críticas de que o aceno havia sido por demais tímido.
A recessão, a grave crise financeira do Estado do Rio, a escassez de recursos para a polícia e o desemprego estão entre os fatores que contribuem para a atual crise de segurança.
Para o antropólogo e especialistadead or alive 2 betanosegurança pública Luiz Eduardo Soares, o quadro atual resulta da intensificação de práticas e circunstâncias que estãodead or alive 2 betanocurso há muito tempo.
"O padrão tem sido o mesmo: confronto com 'o tráfico', adotando incursões bélicas às favelas, que matam inocentes, suspeitos e até mesmo policiais. A velha 'política' da conhecida - e derrotada - guerra às drogas", lamenta.
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Entenda quais são os principais fatores estão por trás da atual crise de segurança no Rio.
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Deterioração das UPPs
Nos últimos cinco anos, o número de tiroteiosdead or alive 2 betanocomunidades com UPPs aumentou 13.746%, de acordo com um estudo feito pela própria Polícia Militar. O número de confrontos nas favelas com UPPs passou de 13,dead or alive 2 betano2011, para 1.555,dead or alive 2 betano2016. As trocas de tiros se intensificaram nas últimas semanas, notadamente no Complexo do Alemão, onde a PM atua para instalar uma cabine blindada numa das principais vias da comunidade Nova Brasília.
O entusiasmodead or alive 2 betanotorno da política das UPPs foi inicialmente justificado por uma queda vertiginosa nos índices de criminalidade nas comunidades. Com o tempo e a expansão do programa para comunidades maiores e mais complexas - como a Rocinha e o próprio Complexo da Maré -, a situação começou a se deteriorar.
Um dos problemas, segundo a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Cândido Mendes (Cesec), foi apostar primordialmente nas UPPs, que tinham foco claro na capital e nunca foram uma política de segurança pública para todo o Estado - das 38 UPPs implantadas, apenas uma, no Complexo da Mangueirinha, fica fora dos limites do município, na Baixada Fluminense.
"Quando a política das UPPs entroudead or alive 2 betanofalência, o Estado não conseguiu se movimentar rapidamente para se reestruturar", diz Lemgruber.
Para ela, os episódios violentos que a cidade tem presenciado são "reações pontuais para apagar incêndios", levando o Rio de volta à situação de "anos atrás".
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"Isso não é uma política de segurança pública. Isso são ações violentas que não levam a lugar nenhum. Temos visto uma média de quatro mortes provocadas pela polícia por dia, e mais de 60 policiais já morreram no Rio só neste ano. Isso seria um escândalodead or alive 2 betanoqualquer parte do mundo. Aqui, faz parte da paisagem."
Para Ignacio Cano, pesquisador da Uerj, o Estado se ancorou nos bons resultados iniciais das UPPs sem que as políticas fossem "ampliadas, corrigidas, modificadas ou complementadas por novas políticas".
"Os gestores se limitaram a uma expansão quase automática das UPPs e do pagamento de bonificações a policias", considera Cano. Ele diz que as UPPs viraram o "fetiche" da segurança pública no Rio; convencionou-se atribuir a elas tudo de bom que acontecia, ou tomar todos os problemas como indicativos de seu fracasso. A situação, porém, envolve muitos outros fatores.
Crise financeira no estado e na polícia
O cenário de recessão e grave crise financeira no Estado do Rio tem castigado servidores públicos estaduais de vários setores - e não é diferente com a Polícia Militar. Turistas desavisados que chegavam ao aeroporto do Galeão para a Olimpíada no ano passado foram recebidos por um grupo de policiaisdead or alive 2 betanoprotesto empunhando bandeiras dando as boas vindas ao "inferno" - "welcome to hell", diziadead or alive 2 betanoinglês, avisando que policiais e bombeiros não estavam recebendo seus salários, e quem chegasse ao Rio não estaria seguro.
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De lá para cá, a situação se tornou mais crítica. Devido à crise, policiais ainda não receberam 13º salário nem as bonificações a que têm direito. Maria Isabel Couto, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP), diz que a escassez de recursos vem prejudicando a infraestrutura e as condições de trabalho da polícia, aumentando a situação de vulnerabilidade.
"O aumento dos indicadores de violência significa que os policiais na ponta estão sendo colocados sob muito mais pressão - isso enquanto o Estado passa por uma crise financeira violentíssima que gera ansiedade sobre se vão receber salários, e boatos de que o Estado não tem dinheiro para comprar gasolina, de que as viaturas estão sucateadas, de que coletes a prova de bala estão vencidos e armas estão sem manutenção. Tudo isso gera um cenário de muito estresse para um funcionário cuja função é ir para a rua e proteger a população."
Neste ano, mais de 60 policiais já foram mortos no Rio. "A sociedade precisa responsabilizar o policial quando ele precisar ser responsabilizado, mas também precisa entender que policiais estão sob extrema pressão e profundo estresse, e que eles também são vítimas desse processo."
Expansão da mancha de criminalidade
A década entre 2006 e 2016 foi marcada por um período de otimismo que teve seu ápicedead or alive 2 betano2011, ano que apresentou os melhores indicadores de segurança. Em seguida, a situação começou a se deteriorar. Ao fim do período, a violência não voltou ao que era; mas se reconfigurou e se espalhou geograficamente pelo Estado.
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Uma pesquisa realizada pela FGV/DAPP com base nos dados compilados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostrou que, quando a violência voltou a aumentar, ela se distribuiu pelo Estado.
"Antes, a capital sempre acumulava os maiores números de violência", diz Maria Isabel Couto, uma das autoras da pesquisa. Isso foi mudando ao longo dos últimos anos, com o aumento do crime no interior do Estado e na Baixada Fluminense (região metropolitana do Rio, já fora das fronteiras do município).
"A concentração na capital significava que, do ponto de vista da segurança pública, os esforços e o contingente também podiam ser concentrados. Hoje, a violência está muito mais dispersa, e é preciso distribuir esforços, recursos e adotar estratégias mais complexas", diz Couto.
A distribuição criminal pode ser atribuída,dead or alive 2 betanoparte, à fuga de traficantes de áreas ocupadas por UPPs para consolidar o domínio e outros territórios. Mas Couto considera também que o descrédito das UPPs teve um importante papel. "As UPPs trouxeram a sensação de que o Rio ia finalmente dar conta do problema do tráfico. Os primeiros episódios de violência fizeram essa ideia desmantelar e mostraram que as UPPs não eram infalíveis."
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Fortalecimento de facções criminosas
Se na fase inicial as UPPs pareciam estar sufocando a atuação de criminososdead or alive 2 betanoalgumas favelas, as disputas de territórios vistas recentemente mostram que os danos causados não foram permanentes. A disputa de territórios tem sido constante no Rio, e facções criminosas aproveitam a crise para agir de forma mais agressiva.
"A criminalidade percebe que há um descontrole na segurança pública, que não há rumo, orientação", diz Julita Lemgruber.
"Você acha que a criminalidade não percebe que o Rio está à deriva, com um ex-governador preso, o mandato do atual correndo risco (referência a acusações de corrupção contra o governador Luiz Fernando Pezão), um Tribunal de Contas que está na cadeia? É uma situação de falta de legitimidade do Estado, um Estado que está um pouco à deriva, e a criminalidade percebe isso claramente", argumenta Lemgruber.
Mais do que isso, a desigualdade social e a falta de oportunidade para jovens nas comunidades continua a contribuir para atrair meninos e adolescentes para o tráfico e munir as facções de recursos humanos.
Sem outra porta de saída que ofereça outras oportunidades, jovens pobres de comunidades idem são atraídos pelos benefícios "sedutores" do tráfico - que não se reduzem a bens materiais, diz o antropólogo e especialistadead or alive 2 betanosegurança pública Luiz Eduardo Soares. "Mais do que isso, estãodead or alive 2 betanojogo acolhimento, reconhecimento, valorização e pertencimento", afirma.
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"É possível disputar menino a menino com a fonte de recrutamento criminosa. Disputar significa oferecer pelo menos os mesmos benefícios, com sinal invertido, evidentemente", considera Soares, dando o exemplo do campo de políticas culturais, que tem muitas experiências bem sucedidas no Brasil e no mundo.
Maria Isabel Couto, da FGV/DAPP, diz que a falta de uma política nacional de segurança também ajuda a fortalecer as facções - que substituíram a disputa de uma ou outra favela por disputas mais amplas e ambiciosas.
"A gestão do crime não respeita fronteiras", diz Maria Isabel Couto. "As facções estão se comunicando, criando parcerias, buscando expandirdead or alive 2 betanoinfluência e suas rotas. Há uma clara disputa nacional e internacional por territórios."
Em contraposição, ela diz ser urgente elaborar uma política nacional de segurança pública. "O governo federal precisa entender que se trata de uma questão nacional e que é seu dever lidar com isso. Nenhum Estado tem condições de dar conta desse controle sozinho."
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'Pacificação' versus confronto
Com a "falência" da política de pacificação e o aumento da criminalidade, especialistas dizem que a doutrina policial que preconiza o confronto armado está voltando a ganhar força. A política das UPPs foi baseadadead or alive 2 betanoestratégias de policiamento comunitária - embora, considera Julita Lemgruber, elas não tenham sido bem sucedidasdead or alive 2 betanoconsolidar esse vínculo com as comunidades.
Porém, o velho modelo das operações policiaisdead or alive 2 betanofavelas para confrontar o tráfico não foi abandonado, e, com o acirramento da crise e da violência, volta a se intensificar.
O aumento do número de pessoas mortas pela polícia reflete o aumento de confrontos. Nos últimos cinco anos (2012-2016), o número de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial aumentou 120%, chegando a 920. Em 2012, o patamar mais baixo na última década, foram 419 mortes. Jádead or alive 2 betano2007, antes das UPPs, o número de mortos por policiais chegou a 1.330.
"As perdas de vida decorrentes desse conjunto de ações são definidas, cinicamente, como casualties, efeitos colaterais de medidas 'necessárias'. Como dizia (o ex-secretário de Segurança Pública José Mariano) Beltrame, e outros antes dele: 'Não se fazem omeletes sem quebrar ovos'", diz Luiz Eduardo Soares.
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"Eu acrescento: desde que não sejam seus filhos. Os efeitos dessa orientação irresponsável, mesmo criminosa, são trágicos."
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