sinais double arbety-Mottainai, o segredo da filosofia japonesa para evitar o desperdício

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Mottainai pode ser traduzido como "que desperdício!". Mas a expressão está mais próxima do velho provérbio "sabendo usar, não vai faltar".
15 fev 2024 - 08h21
(atualizado às 19h15)
Os reconhecidos padrões de economia dos japoneses aumentam a sustentabilidade dasinais double arbetyculinária
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Foto: Getty Images / BBC News Brasil

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A alegre aldeia de pescadores de Murakami fica a apenas três horas de trem da capital do Japão, Tóquio. Mas ela parece estar a anos-luz de distância do burburinho daquela que é a cidade mais populosa do mundo.

Murakami é uma cidade-castelo preservada no tempo, na prefeitura de Niigata. Vim até aqui para conseguir uma trégua do barulho e da correria do Japão urbano e jantar no renomado restaurante Idutsuya.

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O restaurante ficasinais double arbetyuma pousada que, um dia, foi apadrinhada pelo poeta e mestre zen Bashō (1644-1694). Seu salão é tão sereno quanto uma sala de meditação zen.

Nele, saboreio uma dúzia de iguarias de salmão diferentes, servidas como verdadeiras joias sobre uma bandeja laqueada.

Sêmen de salmãosinais double arbetyconserva. Pele crocante, fritasinais double arbetyóleo fervente. Patê de fígado do peixe. A sucessão de petiscos salgados é uma sinfonia de sabores e texturas.

Todas as partes do peixe, desde o cobiçado o-toro (a valiosa gordura da barriga do animal) até os órgãos, encontram expressões deliciosas. As próprias espinhas e os dentes são transformadossinais double arbetygel com sabor umami (um dos cinco gostos básicos do paladar humano) e consumidos sobre o arroz.

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A refeição - uma ode comestível ao peixe sedoso de carne cor de laranja - é uma bela expressão do ideal japonês de mottainai, a busca de formas criativas de eliminar o desperdício.

Mottainai pode ser traduzido como "que desperdício!". Mas a expressão está mais próxima do velho provérbio "sabendo usar, não vai faltar".

Este ideal de minimizar o desperdício gerou peculiaridades culturais na vida do Japão, como reciclar a água da lavagem das mãos para os toaletes; velhos quimonos transformadossinais double arbetysuntuosos cachecóis; ou o kintsugi, a tradição de restaurar cerâmica quebrada unindo os pedaços com ouro fundido.

Mas este princípio certamente se encontra mais arraigado na cozinha japonesa.

O restaurante Idutsuya serve diversas iguarias preparadas com salmão, como se fossem pequenas joias
Foto: Johnny Motley / BBC News Brasil

O Japão moderno possui um dos PIBs mais altos do mundo. Mas a pobreza e ondas intermitentes de fome eram a dura realidade das aldeias rurais até não muito tempo atrás.

Como a necessidade é a mãe da criatividade, pescadores e agricultores encontraram formas engenhosas de transformar restos, como cascas, cortes de carne dura e borras de saquê,sinais double arbetyrefeições nutritivas e deliciosas.

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Como o ratatouille do interior da França e o pani câ meusa italiano (pão recheado com carne de órgãos grelhada), a escassez foi a musa inspiradora de simbólicos pratos da cozinha japonesa, como o ochazuke (chá verde despejado sobre restos de arroz), kasuzuke (vísceras de peixesinais double arbetyconserva no saquê) e kasu jiro (uma farta sopa feita com restos de mosto de saquê).

O mottainai remonta a tempos de escassez, mas seu princípio permanece sendo a base dos restaurantes de sushi e kaiseki de hojesinais double arbetydia - até os mais opulentos do mundo.

Estimulando os sentidos

Encontrar formas de cozinhar todas as partes de plantas e animais não serve apenas para reduzir o custo dos alimentos e adequar a cozinha aos objetivos globais de sustentabilidade.

Restos como caules, cortes e vísceras - os "pedaços horríveis", para tomar uma frase do crítico de gastronomia Anthony Bourdain (1956-2018) - costumam trazer sabores memoráveis nas mãos de um chef especialista.

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A poucos quilômetros de Murakami, à sombra dos Alpes japoneses, fica o restaurante Satoyama Jujo, indicado pelo guia Michelin. Sua chef é Keiko Kuwakino.

Depois de passar um período viajando pelo mundo como mochileira e estagiáriasinais double arbetycozinhas da Austrália, Europa e Índia, Kuwakino voltou para Niigata. Ela passou a elaborar menus kaiseki, com vários pratos sazonais. É uma forma de enaltecer a abundância de águas frias e vales frondosos dasinais double arbetyprefeitura natal.

A chef Keiko Kuwakino prepara menus kaiseki, com vários pratos sazonais, no restaurante Satoyama Jujo
Foto: Johnny Motley / BBC News Brasil

Encontrei Kuwakino na cozinha do Satoyama Jujo, um espaço de trabalho rodeado de vidros coloridos com raízes e ervassinais double arbetyconserva.

Comsinais double arbetyobsessãosinais double arbetyreduzir o desperdício de alimentos, Kuwakino se inspirou na sobriedade da avó.

"Vovó cresceusinais double arbetyuma aldeia de escassos recursos, onde a neve cobria os campos por cinco meses do ano", relembra a chef.

"Ela sempre insistiasinais double arbetynão desperdiçar um único grão de arroz, relembrando meus irmãos e eu sobre o trabalho e o sacrifício do cultivo de arroz", ela conta. "Ainda me lembro disso quando como e cozinho arroz para meus clientes."

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Embora aprecie ingredientes de destaque da cozinha japonesa, como caviar, ouriço-do-mar e cogumelos matsutake, Kuwakino também tem o dom de transformar os restos mais humildessinais double arbetydeslumbrantes pratos gourmet. Caules folhosos são transformadossinais double arbetybelas decorações, espinhas de peixe se tornam alimentos com sabor umami e raízes rígidas passam a ser delícias crocantes depois de temperadas com salmoura.

Nas horas que antecedem o jantar, Kuwakino esinais double arbetyequipe pulverizam espinhas de peixe desidratadas com pó pungente - um pó mágico deliciosamente salgado como a brisa do oceano.

Esse pó dá vida à gordurosa carne bovina wagyu e tigelas de arroz, além de brilhar no kenchinjiru, uma sopa feita de vegetais, como berinjela e batata-doce, e também de cogumelos - todos sazonais e recém-colhidos.

Polvilhar as partículas salgadas sobre os alimentos submersossinais double arbetyum caldo cor de chá oolong fornece um sabor tão rico quanto o-toro marmorizado.

As próprias cascas descartadas durante o preparo do kenchinjiru ganham nova vida. Armada com um desidratador e um moedor, Kuwakino se prepara para a alquimia das cascas de beterraba, abóbora e cenoura. Ela transforma as cascassinais double arbetypós de cor púrpura, amarela e laranja.

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"Tento estimular todos os sentidos com a minha comida", explica a chef. "Adoro pós vegetais, não só pelo seu sabor terroso, mas pelas cores salpicadas que eles acrescentam aos pratos."

Frutos como tomate e umê (a ameixa-japonesa) são transformadossinais double arbetyconservas de inverno
Foto: Johnny Motley / BBC News Brasil

Antes de começar o primeiro prato - uma entrada de tofu fresco, melão e sardinhassinais double arbetyconserva - Kuwakino se aproxima da minha mesa para o tradicional itadakimasu, a expressão japonesa de gratidão pela vida que se sacrificou pela refeição.

O mottainai é profundamente ligado aos princípios do xintoísmo, uma antiga religião japonesa enraizada nas crenças animistas das sociedades caçadoras-coletoras da pré-história do arquipélago.

"No xintoísmo, objetos naturais como a madeira, plantas, animais e até as pedras têm natureza sagrada", explica Kuwakino. "Tudo o que é recolhido da natureza é imbuído de kami [espírito divino]."

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O caráter sagrado atribuído aos produtos da natureza eleva o mottainai ao nível de dever sagrado. Jogar comida fora - mesmo que sejam restos - é como um sacrilégio.

O mestre de sushi Masa Takayama, de Nova York, nos Estados Unidos, compartilha o sentimento de que o desperdício de alimentos e até mesmo de água causa uma sensação de haji (vergonha ou tristeza).

O Masa,sinais double arbetyManhattan, é um restaurante omakase - onde o chef escolhe os pratos de sushi que serão servidos aos clientes - que conta com três estrelas Michelin. Takayama usa todas as partes de cada peixe que passa pelasinais double arbetymesa de corte, até as espinhas, os olhos e a carne extraída da cabeça.

"Quando compro um peixe, lembro que ele já teve vida", ele conta. "A partir do respeito pela criatura, encontro formas de cozinhar tudo."

Por isso, os cortes mais delicados do peixe viram sashimi, enquanto Takayama ferve as cabeças, as caudas e as espinhas para produzir molhos de especiais noturnos ou makanai - refeições para as famílias dos funcionários.

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A cabeça do buri, onde o peixe armazena grande parte dasinais double arbetygordura, possui o melhor sabor umami
Foto: Kappo Masa / BBC News Brasil

Um prato especial permanente do menu do Masa é a cabeça de buri grelhada. O peixe é trazido dos mercados de Tóquio todos os dias esinais double arbetycarne é transformadasinais double arbetysashimi totalmente branco e quase translúcido - carne suavemente salgada, etereamente clara, banhadasinais double arbetymolho ponzu e guarnecida com flores de shissô.

Mas o verdadeiro ponto forte, segundo Takayama, é a cabeça, uma massa óssea coberta de carne marmorizada.

"Fui criado no Japão e meus pais guardavam as cabeças de peixe para refogar com molho de soja e os líquidos residuais da produção de tofu", conta Takayama. "A carne da cabeça, onde o peixe armazena boa parte dasinais double arbetygordura, oferece o melhor sabor umami."

Depois de marinada com molho de soja e levemente grelhada, a carne da cabeça, mole como geleia e ornamentada com pimenta shishito torrada, realmente é a alma da riqueza umami.

De volta a Murakami, caminho pelas estreitas alamedas da aldeia, pavimentadas com pedras, até a aconchegante casa de chá Kokonoen, construída com cipreste japonês, com cor de areia.

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Sentadosinais double arbetyfrente a um elaborado jardim zen, provo um fragrante chá verde sencha - um verdadeiro jade líquido, perfumado e complexo como um bom e envelhecido vinho Pinot Noir. Com ele, provo chazuke (confeitossinais double arbetyforma de joias, preparados com morangos, amoras e outras frutas da região).

Cada porção que sai da chaleira laqueada traz novos sabores das folhas aromáticas. São sutilezas a serem contempladas com a beleza do jardim e da caligrafia do local.

Depois que as folhas são finalmente exauridas, o mestre do chá as retira da chaleira com uma pinça de madeira e as coloca sobre uma tigela de arroz fresco.

De coloração verde brilhante e macio como espinafre cozido, o sencha libera as últimas fragrâncias do buquê marinho e de pinho do chá verde.

Enlevado pela cafeína e pela teobromina do chá, não posso deixar de concordar com os sábios xintoístas.

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As bênçãos da natureza são sagradas. São milagres do solo, do sol e da chuva, preciosos demais para serem simplesmente descartados.

Receita de okara com restos de vegetais

Para o chef Masa Takayama, okara com restos de vegetais é um prato caseiro que incorpora o espírito de mottainai.

Tradicionalmente, okara é a polpa de soja ou borra de tofu que sobra depois que os grãos de soja amassados são filtrados na produção de tofu e leite de soja. Mas você pode acrescentar tofu macio, encontrado na maioria dos mercados de produtos asiáticos.

Ingredientes:

* Couve-kale e espinafre são opções deliciosas, além de cogumelos. Mas qualquer vegetal serve. O chef Takayama usa qualquer vegetal picado não usado que ele tenha sobrando na cozinha.

Modo de fazer

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  1. Faça um molho misturando o molho de soja, o açúcar e qualquer caldo de cozimento que você tenha à mãosinais double arbetyuma caçarola. Ferva suavemente até misturar os ingredientes.
  2. Em uma frigideira, aqueça o óleo e salteie os vegetais até amolecerem.
  3. Em uma panela, misture o okara com o molho e a água. Ferva suavemente até que fiquem bem misturados. Sirva o molho de okara com os vegetais salteados e arroz.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

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Fontes de referência

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