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O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) definiu como prioridade acelerar o tombamento de quilombos no Brasil, e colocouaposta roletinhaconsulta pública uma proposta de portaria nesse sentido. O objetivo é aproveitar que o tombamento de quilombos está previsto na Constituição para agilizar os processos.
Apenas um quilombo é atualmente tombado pelo Iphan, o Quilombo do Ambrósio,aposta roletinhaIbiá, Minas Gerais, reconhecido poraposta roletinhacondição de sítio arqueológico. Além dele, o Quilombo dos Palmares,aposta roletinhaUnião dos Palmares, Alagoas, também conta com a proteção - mas porque, localizado na Serra da Barriga, está protegido como patrimônio natural.
Segundo o mais recente censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 494 territórios quilombolas oficialmente delimitados no país, onde vivem 167 mil pessoas. O mesmo levantamento mostrou, entretanto, que 1,3 milhões de brasileiros se identificam como quilombolas. Questionado pela DW, o Iphan informou que há 17 processos de tombamento de quilombos abertos, tramitando na instituição.
A portaria para acelerar os tombamentos busca "ressaltar o protagonismo da população afrobrasileira na reivindicação do direito à liberdade no Brasil […], pautando-se por princípios antirracistas nas ações patrimoniais", diz a arquiteta Vanessa Maria Pereira, coordenadora geral de Identificação e Reconhecimento do Iphan. Ela acrescenta que o objetivo do ajuste legal é "reconhecer, nas narrativas patrimoniais do Estado, a resistência quilombola ao processo de escravização e à discriminação sofrida pelo povo negro".
Em linhas gerais, a proposta deve agilizar os processos de tombamento ao trazer a questão para o âmbito da Constituição,aposta roletinhavez de basear-se exclusivamente na legislação que rege a proteção do patrimônio histórico, datada de 1937. Com isso, o trâmite seria praticamente automático.
Doutorando na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o professor e historiador Philippe Arthur dos Reis vislumbra que a celeridade do processo facilite "o reconhecimento das comunidades quilombolas". "Enxergo como uma proposta de desburocratização do processo de reconhecimento desses grupos", diz.
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O historiador Petrônio Domingues, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS), afirma que, quando a nova regra entraraposta roletinhavigor, caberá ao Iphan "apenas aferir se o quilombo ao qual se refere o pedido de tombamento se enquadra ou não na previsão constitucional". "Por isso, a tramitação proposta é mais simples e tende a ser bem mais rápida que um processo de tombamento convencional", diz.
No artigo 216 da Constituição está determinado que "constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial" referentes "à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira". E acrescenta que "ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos". Até agora, contudo, 35 anos depois da promulgação da carta, essa determinação segue letra morta.
A historiadora Martha Abreu, professora na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vê na portaria a materialização de "algo que já tinha de ser feito". "Legitima a luta quilombola, o reconhecimento do Estado à existência dos quilombos, cumprindo com atraso a Constituição", diz.
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Pesquisador no Instituto Max Planck,aposta roletinhaFrankfurt, na Alemanha, o historiador Bruno Rodrigues de Lima avalia que a portaria do Iphan significa "abandonar o entulho autoritário do Estado Novo [período do presidente Getúlio Vargas] e atualizar a definição do que é patrimônio histórico, com uma mudança de compreensão, uma interpretação inteligente da própria Constituição do país".
"Aquela métrica de 1937 [da legislaçãoaposta roletinhavigor sobre patrimônio] perde de vista o que é quilombo porque o Estado brasileiro [de então] optou por dizer que quilombos não existiam, que eles haviam sumido, que comunidades de remanescentes de escravizados haviam evaporado", ironiza o pesquisador.
"A política de tombamento desenvolvida com o surgimento do Iphan,aposta roletinha1937, tem uma visão muito datada daquele período sobre o que deveria ser considerado patrimônio para o Brasil", avalia o arqueólogo e historiador Luis Felipe Santos, presidente do Instituto AfrOrigens. Ele defende reformulações como necessárias para incluir as demandas da sociedade.
Em nota à imprensa, o Iphan usou a expressão "histórico de racismo patrimonial" ao se referir ao fato de que apenas um quilombo brasileiro foi tombado, mesmo com 18 processos tendo sido abertos.
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Lima acredita que, uma vez efetivada a nova ferramenta, vai aumentar exponencialmente o número de reconhecimento a comunidades quilombolas. "Ou seja, [a medida significa] constitucionalizar o movimento abolicionista", comenta. "É reparação história, acertar as contas com o passado escravista. O tombamento constitucional é parte do pagamento dessa dívida histórica, que é impagável."
Preocupações atuais
O professor Domingues ressalta que tombar quilombos significa "respeito à preservação e reconhecimento da história, memória e identidade da população negra no Brasil, comaposta roletinhacapacidade de luta e resistência aos grilhões da opressão, tanto do passado escravista quanto do presente de racismo estrutural".
Fundador e diretor-executivo da organização Educafro Brasil, o filósofo e teólogo David Santos reconhece a importância do tombamento, mas espera que isso não impeça os quilombos de desenvolverem-se enquanto comunidades.
"[Tombamento] representa uma faca de dois gumes. Por um lado reafirmamos que é fundamental a preservação da memória e da cultura dessas comunidades seculares, pois o sistema capitalista de consumo provoca uma desagregação dos membros delas", argumenta. "[Mas isso] não pode significar jamais o aprisionamento dessas comunidades ao passado, como uma espécie de prisão no tempo, especialmente quando esse passado está umbilicalmente ligado à condição marginal de pobreza extrema."
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Ele cobra que o Iphan ajude a encontrar meios de compatibilização "entre a preservação da memória e da cultura" com "a melhoria das condições de vida de suas populações", por meio de políticas de desenvolvimento sustentável.
"O tombamento [dos quilombos] registra e oficializa a materialidade do crime que foi o passado escravocrata brasileiro. Isto é uma forma de reforçar a luta dessas comunidades e, ao mesmo tempo, legitimar as reivindicações feitas cotidianamente por essas pessoas", comenta o arqueólogo Santos.
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